Páginas

segunda-feira, 23 de maio de 2011

FIBRODISPLASIA OSSIFICANTE PROGRESSIVA


O desenvolvimento do osso heterotópico em partes moles é uma característica comum de pelo menos três doenças genéticas distintas que afetam seres humanos: a fibrodisplasia heterotópica progressiva, a osteodistrofia hereditária de Albright e a heteroplasia óssea progressiva. Estas três doenças têm características diferentes de indução osteogênica, histopatologia, distribuição anatômica e progressão das lesões. Uma vez que as características clínicas de cada condição incluem múltiplos sinais e sintomas, especialistas de várias disciplinas são freqüentemente envolvidos para chegar ao diagnóstico correto: médicos generalistas, pediatras, reumatologistas, endocrinologistas, ortopedistas, dermatologistas, entre outros.
Entre essas doenças, a fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) merece atenção especial. Embora rara, pode ser facilmente identificada por suas características clínicas e seu diagnóstico pode ser confirmado pelo simples exame radiológico. O diagnóstico precoce da FOP é necessário para prevenir procedimentos desnecessários e lesivos que possam diminuir a qualidade de vida e o prognóstico do paciente.
A fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) é um distúrbio autossômico dominante do tecido conjuntivo, caracterizado pela malformação congênita dos dedos maiores dos pés e ossificações heterotópicas progressivas que se desenvolvem em padrões anatômicos e temporais previsíveis, levando à imobilidade progressiva. De acordo com Connor e Evans, os primeiros casos de FOP foram descritos por Patin em 1692 e por Freke em 1739. Em 1918, Rosenstirn conduziu extensa revisão da literatura médica, descrevendo 115 casos de FOP.
Inicialmente, a doença recebeu o nome de “miosite ossificante progressiva”, significando uma inflamação muscular que gradualmente se transformava em ossos. Contudo, o processo afeta não apenas músculos, mas também outras partes moles, como as cápsulas articulares e ligamentos. Por causa disso, o seu nome foi mudado para “fibrodisplasia ossificante progressiva” por Victor McKusick, em 1970. A FOP é uma das doenças mais raras que afetam os seres humanos. Sua incidência estimada é de aproximadamente um em cada dois milhões de nascimentos. Apesar do fato de que a maioria dos relatos descreve pacientes caucasianos, ela afeta todos os grupos étnicos, atingindo igualmente ambos os sexos.

Fisiopatologia

O defeito genético e a fisiopatologia da FOP são ainda desconhecidos. Contudo, considera-se que a doença seja causada por um gene que sofre mutação durante a fase embrionária do desenvolvimento (responsável pelas malformações ósseas congênitas) e que pode ser reativado no período pós-natal, causando assim a ossificação heterotópica progressiva. O defeito também leva à desregulação das vias de sinalização da proteína morfogenética óssea (indutores potentes da formação de osso endocondral), especificamente a superprodução e desregulação da BMP4 (bone morphogenetic protein).
Dados indicam que há paralisia da resposta antagonista à BMP, com perda do mecanismo de retroalimentação negativa9).

Características clínicas
Os pacientes afetados com FOP podem ser reconhecidos mais tardiamente na vida pela formação de dois esqueletos: um esqueleto normotópico, durante a embriogênese, e um esqueleto heterotópico, desenvolvido após o nascimento. O esqueleto normotópico é basicamente normal, exceto pelos dedos maiores dos pés, colos femorais e coluna cervical, que são malformados. As malformações dos dedos maiores dos pés são documentadas em 95% dos pacientes. Muitos com FOP têm defeitos congênitos na coluna cervical, tais como hipoplasia dos corpos vertebrais e fusão dos elementos posteriores. O encurtamento do colo femoral e dos polegares e osteocondromas na porção proximal das tíbias são características esqueléticas variáveis notadas em pacientes com FOP.
As primeiras manifestações pós-natais de ossificação heterotópica habitualmente ocorrem na primeira década de vida. O quadro clínico da FOP nessa fase inicial ocorre em agudizações que são caracterizadas por edema e massas dolorosas que aparecem espontaneamente ou após um trauma de diversos tipos: quedas, cirurgias, biópsias, injeções intramusculares e várias doenças virais. As agudizações são também de tamanho e intensidade variáveis e podem estar associadas com regressão espontânea.
As agudizações freqüentemente levam à neoformação óssea heterotópica nas áreas afetadas. A ossificação pode comprometer os tendões, ligamentos, aponeuroses, fáscias e outros tecidos conjuntivo do sistema músculo-esquelético voluntário. Os olhos, coração, diafragma, músculos esfinctéricos e músculos lisos viscerais são caracteristicamente poupados. As agudizações podem durar semanas ou meses e podem ser acompanhadas por febre baixa.
A freqüência desses episódios agudos não é previsível. Há casos em que a doença se manifesta por agudizações repetidas, enquanto em outros a FOP parece entrar em longos períodos de latência. O ritmo de evolução da FOP é, por conseguinte, altamente variável de paciente para paciente. Na maioria dos casos, os pacientes adultos já estão confinados a uma cadeira de rodas. É possível encontrar pacientes de idade avançada com grau menor de restrição. O osso heterotópico neoformado causa a imobilização do paciente. Isso também leva à escoliose, por causa da formação de barras ósseas assimétricas que ligam o tórax à pelve.
A ossificação heterotópica bem definida segue uma progressão anatômica específica, similar àquela do padrão do desenvolvimento do esqueleto normotópico no embrião.
A progressão da FOP é tipicamente: axial para apendicular (exemplo: pescoço e ombros afetados antes dos membros); cranial para caudal (exemplo: ombros e cotovelos são afetados antes dos quadris e dos joelhos); proximal para distal (exemplo: os ombros são afetados antes dos cotovelos e punhos; os quadris são afetados antes dos joelhos e dos tornozelos).
O risco aumentado de envolvimento dos quadris, punhos e joelhos aumenta com a idade, sendo a mandíbula tipicamente uma das últimas áreas envolvidas.

Complicações
Durante sua evolução, a doença pode causar complicações como edema intenso de partes moles. Esse edema pode ter caráter agudo, sendo causado pela angiogênese local intensa ou pela compressão dos canais linfáticos de partes moles. O edema crônico pode ocorrer após a perda da função nos músculos, levando à estase venosa ou, raramente, à formação de coágulos dentro dos vasos sanguíneos. Outra complicação é o aparecimento de episódios agudos na região submandibular, o que pode causar dificuldades na respiração e na alimentação. Nessas situações, o diagnóstico de distinção é particularmente importante, já que podem ser complicações potencialmente fatais.
A surdez é possível, provavelmente pela fusão dos ossículos do ouvido. Exames auditivos periódicos são recomendados para as crianças com FOP, de forma a prevenir comprometimento relativo ao aprendizado escolar. Podem aparecer irregularidades menstruais e infertilidade de causa desconhecida. A complicação mais temida, contudo, é o desenvolvimento de infecções do trato respiratório, exacerbadas por importante restrição da parede torácica, a causa mais comum de morte. A expectativa média de vida é de aproximadamente 45 anos.

Diagnóstico

O diagnóstico de FOP é baseado em três critérios. Eles incluem:
1) Malformação congênita dos dedos maiores dos pés.
2) Ossificação endocondral heterotópica (ossos heterotópicos que gradualmente se formam a partir da cartilagem).
3) Progressão da doença em padrões anatômicos e temporais bem definidos.
Os testes laboratoriais de rotina não contribuem para o diagnóstico, mas, durante as agudizações, podem ser observados discretos aumentos na VHS. O diagnóstico clínico pode ser confirmado por meio de exames clínicos e radiografias simples que mostram osso heterotópico em aproximadamente seis semanas após o aparecimento inicial de um nódulo de ossificação. A FOP pode ser suspeitada em uma criança com edemas migratórios de partes moles na presença de dedos grandes malformados. A cintilografia óssea e a tomografia computadorizada não são geralmente necessárias para estabelecer o diagnóstico de FOP. O osso heterotópico é detectado através de radiografias simples. É de extrema importância salientar que, nesses pacientes, as biópsias são perigosas. As biópsias não são necessárias para estabelecer o diagnóstico e inevitavelmente irão piorar as agudizações e o desenvolvimento de novas ossificações.
Os testes de função pulmonar habitualmente revelam um defeito ventilatório restritivo e volumes pulmonares reduzidos, por causa do desenvolvimento de ossos heterotópicos na parede torácica.

Diagnóstico diferencial

Antes que o diagnóstico correto seja estabelecido em qualquer indivíduo em particular, muitos dos pacientes têm biópsias com o objetivo de excluir a hipótese de doença maligna. As principais confusões diagnósticas são a fibromatose juvenil agressiva e os sarcomas. Nesses casos, o estudo imunohistológico com anticorpos anti BMP2/4 é muito útil. Outras doenças genéticas que também causam o desenvolvimento de ossificações heterotópicas precisam ser diferenciadas da FOP, tais como a heteroplasia óssea progressiva (HOP), osteodistrofia hereditária de Albright (OHA) e osteoma cútis. De todas essas doenças, a FOP é a única que se apresenta com ossificações endocondrais (a partir da cartilagem). Ademais, é a única que tem um curso de agudizações de partes moles após uma lesão tecidual e é também a única das três que poupa a pele e está associada com malformações dos dedos maiores dos pés.
A heteroplasia óssea progressiva é um distúrbio genético raro e recentemente descrito da diferenciação mesenquimal, caracterizado por ossificação dérmica, e ossificação heterotópica progressiva dos tecidos cutâneos, subcutâneos e profundos durante a infância.
A HOP difere da FOP por apresentar ossificação cutânea, ausência de malformações esqueléticas congênitas, ausência de edemas do tipo tumoral, distribuição mosaica assimétrica das lesões, ausência de padrões regionais previsíveis de ossificação heterotópica e predominância de ossificação intramembranosa em vez de ossificação endocondral. Recentemente, mutações inativadoras heterozigóticas na GNAS1 foram identificadas como a causa genética da HOP.
A osteodistrofia hereditária de Albright pode manifestar ossificação cutânea menor, mas poupa os músculos esqueléticos profundos e está associada a alterações hormonais. Tal como na HOP, a OHA é também causada por mutações inativadoras da GNAS1.
O osteoma cútis afeta somente o tecido cutâneo e subcutâneo, não envolve alterações hormonais, e não está associado a malformações congênitas.
As agudizações da FOP devem ser diferenciadas dos processos inflamatórios de tumores ósseos e da fibromatose juvenil agressiva.

Tratamento

Não há tratamento específico efetivo para a FOP e, assim, as medidas são direcionadas à melhora sintomática e na prevenção da piora dessa condição.
Todo tipo de trauma acidental ou provocado deve ser previsível. Estes incluem:

1) Cirurgias para remoção do osso heterotópico. Elas são absolutamente contra-indicadas, já que podem causar o desenvolvimento de mais ossificação heterotópica, pelo trauma tecidual.
2) Injeções intramusculares, incluindo imunizações intramusculares e bloqueios mandibulares para procedimentos dentais.
3) Manipulação das articulações ou fisioterapia agressiva.
4) Quedas.
5) Esportes de contato físico.

O manejo atual da FOP pode ser dividido em duas categorias: o manejo dos sintomas e o manejo da doença subjacente. Embora a principal esperança é o desenvolvimento de melhor tratamento para FOP(1), existem algumas alternativas que podem trazer alívio aos sintomas agudos. A pesquisa para encontrar fármacos que atuem na FOP é muito difícil pela raridade da doença. Contudo, como a história natural da FOP é bem conhecida, pequenos estudos terapêuticos controlados têm sido feitos para determinar os riscos e benefícios de vários medicamentos. Outro fator limitante no estudo da FOP é a falta de modelos animais apropriados. A identificação do gene defeituoso e o desenvolvimento dos agentes terapêuticos irá prover avanço considerável na pesquisa de novos fármacos benéficos e efetivos.
Atualmente há três classes de fármacos que podem ser usados para o manejo sintomático da FOP:
Classe 1 – A prednisona é a escolha nas fases iniciais dos episódios agudos da FOP. Sua maior efetividade empírica é para agudizações envolvendo as articulações maiores. Não deve ser usada para o manejo de agudizações do pescoço, costas, ou parede torácica.
Sua introdução deve ser feita de forma rápida, ou seja, nas primeiras 24 horas após o começo do episódio, na tentativa de inibir o infiltrado inflamatório agudo e volumoso que é característico desta fase e que causa a morte do músculo esquelético. A dose usada é de 2mg/kg/dia, em um período máximo de quatro dias. É importante lembrar que o uso crônico de prednisona não tem utilidade prática e pode causar efeitos sistêmicos indesejáveis. Após 48 horas do começo do episódio, os benefícios do uso de prednisona ficam muito reduzidos. Após o uso de prednisona, podem ser introduzidos agentes antiinflamatórios não esteróides e os inibidores dos leucotrienos (classe 2). Os inibidores da ciclooxigenase-2 apresentam propriedades antiangiogênicas e antiinflamatórias, embora não sejam convencionalmente usados por pacientes com menos de 16 anos; seu uso deve ser acompanhado de testes para função hepática e renal.
Classe 2 – Montelucaste (Singulair®), um fármaco inibidor dos leucotrienos, pode ser usado em doses de 5 a 10mg/ dia; pode contribuir para a redução dos sintomas inflamatórios dos episódios, principalmente naqueles com mais de 48 horas de evolução. Pode ser usado conjuntamente com AINEs ou com inibidores da COX-2.

Classe 3 – Esta classe inclui medicamentos em desenvolvimento, que somente poderão ser empregados após sua aprovação para o uso clínico. Estes incluem novos agentes antiangiogênicos e antagonistas da BMP.

Noggin é um poderoso inibidor da BMP-4 e é um fármaco com intensa pesquisa laboratorial. Uma vez que as tentativas e os esforços para desenvolver uma cura para a FOP estão intimamente ligados à descoberta do gene alterado, sua descoberta tornará possível a completa análise da doença, o teste de novos medicamentos e o teste mais efetivo dos já existentes.

Prognóstico

Os pacientes com FOP são geralmente saudáveis e também intelectualmente normais. A principal causa de morte é a infecção pulmonar por doença restritiva grave da parede torácica. Atualmente, entretanto, com o avanço dos antibióticos, já há pacientes na sexta década de vida.

Recomendação

Embora no presente não seja possível curar FOP, é perfeitamente possível aliviar o sofrimento do paciente com FOP, sendo mais importante prevenir o agravamento iatrogênico da condição.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: 

http://www.concursoefisioterapia.com/2010/11/fibrodisplasia-ossificante-progressiva.html

http://diariodebiologia.com/2008/09/fibrodisplasia-ossificante-progressiva/

POSTADO POR: RANIELY GOMES FIGUEIREDO

Nenhum comentário:

Postar um comentário