A extrofia de bexiga clássica é uma má formação rara com incidência estimada em 1:30.000, predominância um pouco maior no sexo masculino, com razão meninos-meninas de 2.3:1. Ainda não há consenso sobre a sua exata etiologia, porém acredita-se que durante a fase embrionária há um sobrecrescimento da membrana cloacal que previne a migração do tecido mesenquimal e desenvolvimento correto da parede abdominal inferior. A anatomia pélvica está alterada nesses pacientes e seu entendimento é de extrema importância para entender o tratamento e prognóstico desses pacientes. Estudos de Sponseller et al e Stec et al demonstram que, além da diastase aumentada da sínfise púbica, a parte posterior da pelve tem rotação externa de 12o, o acetábulo está retrovertido, a parte anterior tem rotação externa de 18o e os ramos púbicos são cerca de 30% menores que o normal. Além disso, há aumento de 10o na angulação da articulação sacroilíaca, cerca 15o de rotação interna da pelve e aumento de cerca de 40% volume e 20% superfície. Essas alterações têm como consequência aumento do ângulo de progressão do pé cerca de 20 a 30o de rotação externa maiores do que o normal, porém que melhora com o passar da idade, marcha com base alargada, associação com displasia do desenvolvimento do quadril. Em pacientes que não são submetidos à osteotomia juntamente com o fechamento da bexiga há um aumento na incidência prematura de artrose do quadril. Descrição da técnica O paciente é posicionado em decúbito dorsal com a pelve elevada por um coxim. A bexiga é isolada com cobertura estéril. Uma incisão de cerca de 5cm é feita 1 a 2cm distal à espinha ilíaca anterossuperior (incisão semelhante à usada para osteotomia de Salter). O nervo cutâneo lateral da coxa é identificado e protegido. Ambos os lados da pelve são expostos subperiostealmente pelas asas do ilíaco até a incisura ciática, posteriormente até os ligamentos mediais da articulação sacroilíaca e caudalmente logo acima da cartilagem. trirradiada. Uma pequena janela é aberta pelo periósteo na parte lateral do ilíaco para controlar a osteotomia e inserção dos pinos. Após a colocação de um afastador de Hohmann na incisura ciática e, então, é realizada a osteotomia transversa do ilíaco com serra de Gigli ou osteótomo. O segmento inferior da pelve deve, então, movimentar-se medialmente. A osteotomia vertical é do tipo dobradiça e incompleta. É realizada paralela e lateralmente à articulação sacroilíaca, criando-se uma calha com a cortical posterior intacta. É então testada ao rodar as asas do ilíaco internamente fechando o sulco realizado na osteotomia como uma dobradiça. Um ou, às vezes, dois pinos de fixador são colocados no segmento inferior do ílio e um ou dois na parte superior. As incisões são fechadas, de preferência com suturas absorvíveis e intradérmicas, permitindo, então, ao cirurgião pediátrico urológico completar o reparo geniturinário. Após o procedimento urológico, a diastase púbica pode ser fechada de diferentes maneiras, às vezes, pelo próprio urologista com uma sutura com fio de náilon 2.0 ao rodar internamente a pelve, facilitando a sutura. Em crianças mais velhas ou com diastase extrema isso pode não ser alcançado e ser necessário um fechamento estadiado da pelve, com ajustes graduais das barras do fixador externo. Após o fechamento da parede abdominal, as barras do fixador externo são colocadas para manter a pelve na posição corrigida. Recomendamos o uso do fixador externo por quatro a seis semanas. A técnica original preconiza o uso de tração de pele em cada membro inferior durante todo o tempo do uso do fixador para ajudar a evitar o afrouxamento precoce dos pinos; porém, a realidade econômica e a necessidade de leitos nos hospitais onde realizamos as osteotomias não nos permite manter a criança internada por todo esse tempo. Na nossa realidade, damos alta ao paciente, que permanece em repouso, sem carga durante o uso do fixador. É realizado controle radiográfico a cada sete a 10 dias. Se a redução da diastase da sínfise não é satisfatória, ela pode ser gradualmente aproximada com o uso das barras do fixador externo. Os pinos só são retirados após evidência radiográfica de consolidação. As complicações mais comuns que ocorrem neste tipo de procedimento são: infecção dos pinos, paralisia transitória do nervo cutâneo lateral da coxa e atraso no processo de consolidação. Também pode haver complicações decorridas do uso de tração cutânea, quando realizada. Outras complicações menos comuns incluem pseudoartrose, artrose, dismetria de membros inferiores, lesão nervo ciático, nervo femoral e nervo glúteo superior; outra, mais rara, é a infecção profunda. Primeiro relato de caso O primeiro paciente tinha cinco meses de idade, foi referenciado a um serviço de cirurgia pediátrica, diagnosticado com extrofia de bexiga e apresentava diastase púbica pré-operatória de 4,2cm. Foi submetido à osteotomia pélvica anterior bilateral pelo autor em junho de 2005 com o uso da técnica descrita posteriormente concomitante ao fechamento da bexiga pela equipe de cirurgia pediátrica urológica na idade de cinco meses. Seu procedimento foi dificultado pela falta de intensificador de imagens durante o procedimento cirúrgico, tornando um pouco mais trabalhosa e demorada a colocação dos pinos, com necessidade de realização de radiografias intraoperatórias para a visualização da posição correta desses . Foi obtida uma redução da diastase para 2cm no pós-operatório imediato. O paciente ficou internado durante uma semana e não fez uso de tração, somente repouso no leito. Fez o uso de fixador externo durante um total de oito semanas, não apresentando nenhum tipo de complicação. Dois anos após a cirurgia apresentou perda da redução, porém mantendo um resultado satisfatório de 3,8cm de diastase e boa função urológica .No pós-operatório tardio o paciente já deambulava com marcha com base normal e não apresentava rotação externa dos membros inferiores. Não houve recidiva ou complicações das alterações urológicas. Segundo relato de caso O segundo paciente foi referenciado aos cinco anos de idade para correção de epispádia e realização de osteotomia pélvica. Já havia realizado o fechamento da extrofia de cloaca em outro hospital. No pré-operatório apresentava diastase púbica de 5,2cm . O paciente foi submetido à osteotomia pélvica anterior bilateral com colocação do fixador externo em outubro de 2007, posterior ao procedimento de fechamento e reparo da cloaca, porém, concomitante ao reparo de epispádia realizado. Foi obtida redução da diastase para 1,0cm no pós-operatório imediato. Esse procedimento teve como dificuldade técnica, mais uma vez, a ausência do intensificador de imagens, dificultando principalmente a osteotomia vertical, que ficou um pouco mais oblíqua ao invés de vertical e paralela à articulação sacroilíaca, como preconizado pela técnica . A falta do intensificador também aumenta o tempo cirúrgico pela realização de radiografias simples intraoperatórias. O paciente ficou internado por duas semanas. Não sendo feito o uso de tração cutânea, somente repouso no leito. Fez uso do fixador externo por oito semanas. Não apresentou nenhuma complicação no pós-operatório. Em janeiro de 2009, com dois anos de pós-operatório, o paciente apresentou perda da redução da sínfise para 3,6cm . Ângulo de projeção da marcha era 35o no pré-operatório e foi reduzido para 15o. O paciente apresentava marcha no pré-operatório com rotação externa que estava corrigida na avaliação pós-operatória. Não houve recidiva ou complicações das alterações urológicas. Discussão Apesar de rara, a extrofia de bexiga é uma afecção que o ortopedista pediátrico deve conhecer para realizar o tratamento em conjunto com o cirurgião pediátrico. Em nossa instituição acompanhamos esses casos que nos são referenciados há quase 10 anos e, após esse tempo de experiência, concluímos que a realização da osteotomia pélvica, concomitante ao fechamento do defeito urológico, é altamente benéfica para o desenvolvimento de marcha do paciente, prevenção de artrose da articulação do quadril, além de facilitar em demasiado a realização do procedimento urológico. É a técnica que demanda menor tempo cirúrgico, pode ser usada em pacientes mais velhos e corrige melhor as deformidades. Stec et alrelataram um aumento na rotação externa das articulações sacroilíacas desses pacientes). Esse defeito não é corrigido atualmente por esse tipo de técnica e é uma das causas de perda de redução da diastase púbica que, geralmente, ocorre nesses pacientes tardiamente. Outros fatores para perda de diastase é o afrouxamento dos pinos, principalmente em crianças menores e o fato de os ramos púbicos serem 30% menores do que o normal, causando um subcrescimento. Mesmo com essa perda na redução da sínfise, o resultado alcançado é melhor do que no paciente não tratado e cumpre a função de facilitar o fechamento da bexiga e melhora a função do paciente. O tratamento recente dita o fechamento da bexiga precocemente, nos primeiros dias de vida, onde se realiza também o fechamento da parede abdominal associado ou não à osteotomia do osso inominado. Em pacientes com menos de um mês, o fechamento pélvico pode ser realizado manualmente e a sínfise suturada, por haver grande mobilidade da pelve, seguido de uso de tração. A osteotomia do osso pélvico, além de facilitar o fechamento ao diminuir a diastase púbica por diminuir a tensão e eliminar a necessidade de retalhos, também está relacionada a um aumento da taxa de continência desses pacientes por aproximar melhor a musculatura do assoalho pélvico e promover a colocação da uretra dentro do anel pélvico, aumentando a resistência da bexiga. Essa osteotomia pode ser aplicada ainda em pacientes já operados por técnicas diferentes em que não foi obtido um resultado satisfatório; pacientes com extrofia de cloaca, nos quais a diastase da sínfise pélvica é maior; e em crianças mais velhas que tiveram seu tratamento diferido. Existem também casos de falha do fechamento da extrofia mesmo após osteotomia (realizada por qualquer técnica), com consequente deiscência ou prolapso da bexiga que necessitam nova intervenção urológica. Essa nova intervenção é crucial para o novo reparo. Ela é realizada concomitantemente com uma nova osteotomia pela técnica aqui descrita. Conclusão Outras técnicas talvez sejam descritas no futuro para a correção de todas as alterações presentes em pacientes com extrofia de bexiga; porém, a osteotomia pélvica ainda é o fator que mais influencia beneficamente a taxa de sucesso da correção do fechamento das extrofias, sendo a técnica anterior bilateral uma das mais consagradas. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: http://www.rbo.org.br/materia.asp?mt=2143&idIdioma=1 POSTADO POR: VIVIANE DE JESUS |
|
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Considerações sobre as extrofias
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário