Páginas

sábado, 21 de maio de 2011

Síndrome de Crouzon

A síndrome de Crouzon, doença genética causada por uma mutação no gene responsável pela codifica­ção dos receptores do fator de crescimento fibroblás­tico tipo 2 (FGFR-2), foi descrita primeiramente em 1912 por Octave Crouzon, que caracterizou a tríade de deformidade craniana, alterações faciais e exoftal­mia. A síndrome de Crouzon, bem como outras sín­dromes como a de Apert e de Pfeiffer, são também chamadas de craniossinostoses (fechamento precoce das suturas cranianas) sindrômicas. Dentre as cranios­sinostoses freqüentemente associadas a esta condi­ção, a braquicefalia é a mais freqüente. Outras alte­rações morfológicas encontradas são: exoftalmo, hi­pertelorismo, hipoplasia da face média com prognatismo relativa e a má oclusão dentária.
Retardo mental leve pode estar presente nestes pacientes. Diversos fatores são implicados em seu de­senvolvimento neuropsicológico, dentre eles a ocor­rência de hipertensão intracraniana (HIC) cujo trata­mento precoce determinaria um melhor desenvolvi­mento neuropsicomotor2,3. Fatores relacionados com o ambiente onde a criança está inserida e os estímu­los a que ela é submetida podem ter um papel funda­mental no seu desenvolvimento4. Outro fator impor­tante a ser considerado é o desenvolvimento morfo­lógico do sistema nervoso central que pode apresen­tar diferentes tipos de alterações (malformações ven­triculares, malformação de Chiari, agenesia de corpo caloso entre outras). Uma melhor qualidade de vida para estes pacientes e suas famílias é o objetivo final de todas as abordagens terapêuticas. A quantificação da qualidade de vida através de questionários siste­matizados tem sido alvo de diversos estudos.
Este estudo tem como objetivos determinar fato­res relevantes no desenvolvimento neuropsicológico dos pacientes com síndrome de Crouzon, utilizando um modelo de avaliação multidisciplinar que permi­te correlacionar o momento cirúrgico, a classificação social das famílias, o grau de escolaridade dos pais e a ocorrência de alterações das estruturas encefálicas com o quociente de inteligência apresentado; e cor­relacionar a avaliação neuropsicológica com a qua­lidade de vida dos pacientes e suas famílias quanti­ficada pelo questionário de recursos e estresse sim­plificado.

MÉTODO

O estudo foi desenvolvido durante o ano de 2003 no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Uni­versidade de São Paulo (HRAC/USP), em Bauru, com apro­vação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Huma­nos deste hospital.
Foram avaliados 11 pacientes (8 operados previamente e 3 não operados) com diagnóstico de síndrome de Crou­zon estabelecido a partir de avaliação do setor de gené­tica clinica. Todos os pacientes foram avaliados por equi­pe multidisciplinar composta por neurocirurgião, cirurgião plástico, geneticista, neuropsicólogo, neurorradiologista e assistente social.
Os exames de ressonância magnética (RM) foram reali­zados em aparelho de 0,5 T (Flexart, TOSHIBA, Japan) nas seqüências T1, T1 inversion recovery, T2 e Flair, nos planos sagital, coronal e axial.
A análise social das famílias foi realizada utilizando-se do método proposto por Graciano et al.5, que considera: número de membros na família, grau de instrução dos pais, tipo de habitação da família, número de pessoas que coabi­tam na moradia, tipo de emprego dos pais, salário mensal da família e nível de escolaridade do chefe da família.
A avaliação cognitiva foi obtida utilizando-se a esca­la de inteligência de Wechsler para crianças em sua 3ª edi­ção (WISC-III) e a escala de inteligência de Wechsler para adultos (WAIS)6-9.
Com a finalidade de investigar a qualidade de vida das famílias dos pacientes, considerando os seus recursos inter­nos, foi utilizado o Questionário de Recursos e Estresse Sim­plificado (QRE-S) 10 por mostrar-se útil na identificação de padrões de tensão em famílias com crianças com deficiên­cia e que exija maiores atenções e cuidados.
O QRE-S é composto por 52 itens, que foram respon­didos pelos pais dos pacientes, que se dividem em quatro fatores. O fator I se relaciona a “Pais e Problemas Familia­res” e reflete a percepção e reação de quem responde pe­los problemas do paciente, dos outros membros da família ou da família como um todo. O fator II se relaciona ao “Pes­simismo” e reflete pessimismo imediato e futuro em rela­ção às perspectivas de independência do paciente. O fator III se refere às “Características da Criança” refletindo as di­ficuldades pessoais e as limitações ocupacionais e compor­tamentais dos pacientes e o fator IV se relaciona à “Inca­pacidade Física” do paciente e reflete as dificuldades em habilidades físicas e nos cuidados pessoais.
Um fator particular sugere qual o problema é o mais emergente na família, embora seja claro que o aspecto multidimensional esteja envolvido no seu padrão e na qua­lidade de vida.
Para analisar a correlação entre as diversas variáveis es­tudadas foi utilizado o teste de Pearson.

RESULTADOS

Considerando o gênero dos pacientes avaliados, nove eram do sexo masculino (81,8%) e dois do sexo feminino (18,2%). A média de idade destes pacien­tes foi 8 anos e 8 meses, variando de 1 ano e 4 me­ses a 13 anos.
O sintoma que motivou 90,9% das famílias a pro­curar auxílio médico foi alteração facial. Os principais sinais clínicos encontrados foram: disoclusão dentá­ria (90,9%), prognatia, palato em ogiva, hipoplasia da face média e exorbitismo (81,8%).
Oito pacientes (72,7%) foram submetidos a tra­tamento cirúrgico das cranioestenoses, sendo 6 em nosso serviço e 2 em outros serviços. A média de ida­de no momento da intervenção cirúrgica foi 2 anos e 10 meses, variando de 7 meses a 6 anos.
Na avaliação das condições sociais das famílias, constatamos que 45,4% pertenciam a classe baixa inferior e 54,6% pertenciam a classe baixa superior. Avaliamos também o grau de instrução dos pais, le­vando em consideração o maior grau de instrução entre os dois, e encontramos 9,1% com primário in­completo, 18,2% com ginásio incompleto, 36,3% com ginásio completo, 18,2% com colegial incom­pleto, 9,1% com colegial completo e 9,1% com nível superior completo.
A avaliação neuropsicológica evidenciou QI mé­dio de 84,2 (46–102). Quando dividimos a popula­ção em pacientes operados e não operados, obser­vamos QI médio de 86 (46–102) para aqueles subme­tidos à cirurgia e 83,5 (74–93) para aqueles não ope­rados. Não houve diferença estatística entre os gru­pos citados. Apenas um paciente apresentou QI abai­xo de 70 (Tabela).
Analisando a qualidade de vida, houve predomi­nância do fator 2 (Pessimismo) em 63,3% dos pacien­tes, indicando que a maioria das famílias entrevista­das apresenta-se pessimista em relação ao relaciona­mento social das crianças.
Sete pacientes foram submetidos a estudo com ressonância magnética. A análise neurorragiológica mostrou alterações morfológicas em três pacientes (42,8% dos pacientes estudados por RM) (Figura).
Aplicando o teste de Pearson para correlacionar o desenvolvimento neuropsicológico com seus pos­síveis fatores influenciadores, constatamos que hou­ve somente relação inversa entre o QI e o QRE-S fa­tor 4 (incapacidade da criança – p=0,019). Não houve correlação entre o QI e outros fatores estudados, como momento cirúrgico, escolaridade dos pais e al­terações encefálicas visualizadas na RM.

DISCUSSÃO

De transmissão autossômica dominante, a síndro­me de Crouzon tem sua origem em uma mutação do gene responsável pela codificação dos receptores do fator de crescimento fibroblastico tipo 2 (FGFR2), lo­calizado no braço longo do cromossomo 10. O fato de que a mesma mutação genética pode resultar em diferentes fenótipos pode refletir a presença de uma modificação particular em outro lugar no gene, den­tro do mesmo cromossomo (fibroblastos de Crouzon e Apert podem ser distinguidos por duas seqüências de expressão genética)11. Existem também indícios de que estas mutações estejam relacionadas com a idade paterna avançada11.
Analisando o desenvolvimento neuropsicomotor dos pacientes com síndrome de Crouzon vários fato­res foram postulados na literatura como capazes de influenciá-lo. O primeiro fator a ser extensivamente discutido foi o papel da hipertensão intracraniana (HIC). A incidência de HIC citada na literatura chega a 47% nas craniossinostoses por múltiplas suturas e 19% nos casos de craniossinostoses monossuturais12. Como esta elevação de pressão ocorre insidiosamen­te, vão atuando mecanismos de complacência cere­bral como deslocamento liquórico em direção ao es­paço raquidiano e aumento do retorno venoso. Tais fatores associados às anomalias ósseas da base do crânio causa uma mudança em toda hemodinâmi­ca cerebral, com prejuízo para a circulação encefá­lica e oxigenação cerebral justificando um declínio no desenvolvimento mental2, que tardiamente se manifesta como déficit de atenção, dificuldade de aprendizado e mesmo alterações comportamentais. Connollyet al.13 descrevem também a possibilidade de pacientes com cranioestenoses sindrômicas de­senvolverem quadros de HIC tardios classificando-os como portadores de “cranioestenose progressiva”. A maioria deste grupo (86%)era portadora de síndro­me de Crouzon.
No intuito de evitar os efeitos deletérios da HIC no desenvolvimento cerebral, preconiza-se a cirurgia precoce de remodelação craniana para as cranioes­tenoses sindrômicas como Crouzon e Apert. Alguns autores preconizam o momento entre 4 a 12 meses14 e outros consideram tempo ideal até 36 meses2. Pos­tula-se que os pacientes com deformidades craniofa­ciais tratadas precocemente sofreriam menos trauma psicológico com relação à família e a sociedade em geral15, devido à uma melhor remodelação craniana. O único paciente da nossa amostra com QI abaixo de 70 foi operado tardiamente (60 meses) e ao exame neurorradiológico apresentava alteração morfológi­ca do corpo caloso.
Existe consenso na literatura que a idade no mo­mento da cirurgia é importante fator associado ao desenvolvimento mental (e conseqüentemente na qualidade de vida) nas craniossinostoses sindrômi­cas. Contudo, outros fatores também são capazes de influenciar no QI destes pacientes. Renier et al.14 mos­traram que, em pacientes portadores de síndrome de Apert, também foram importantes as alterações morfológicas encefálicas (anomalias do septo pelú­cido) e a qualidade do ambiente familiar (39,3% dos pacientes com estrutura familiar normal alcançaram QI normal, enquanto somente 12,5% dos pacientes institucionalizados alcançaram este limite). Ainda tra­tando-se da síndrome de Apert, encontramos num estudo preliminar um índice de retardo mental de 28,5% (4 pacientes de uma amostra de 18), sendo que a condição sócio-econômica das famílias e o nível de instrução dos pais também foram citados como sendo fatores relevantes no desenvolvimento cogni­tivo destes pacientes16. Alterações encefálicas foram encontradas em 56% desta população com síndrome de Apert17.
Entretanto, apesar de haver diversos estudos ten­tando correlacionar fatores que possam interferir no desenvolvimento neuropsicológico na síndrome de Apert, existem poucos trabalhos na literatura especí­ficos para a síndrome de Crouzon, possivelmente por­que o índice de retardo mental neste grupo é muito menor que em relação ao Apert18, e com uma pre­valência de alterações estruturais cerebrais também menor. Aguado et al.19 fazem revisão da literatura e concluem que o retardo mental nesta síndrome é leve e que o déficit cognitivo é irregular apresentan­do comprometimento de certas faculdades mentais de forma variada. Em nosso estudo, a taxa de atraso cognitivo foi 9,1%.
Pertschuk et al.20 estudaram os aspectos psico-so­ciais de crianças e adolescentes portadores de mal­formações craniofaciais congênitas. Segundo os au­tores, sabe-se que a aparência física constitui-se hoje em dia importante variável do ponto de vista psi­co-social. Analisando o ajustamento psico-social em uma amostra inicial de 43 crianças entre 6 e 13 anos portadoras de malformações craniofaciais contra um grupo controle de crianças normais21, os autores notaram que as crianças sindrômicas apresentaram níveis mais altos de ansiedade, eram mais introver­tidas e demonstravam uma auto-estima mais pobre; os pais destes pacientes relataram mais experiências sociais negativas para seus filhos, e sinais de hiperati­vidade; os professores destas crianças relataram pior desempenho escolar. Dando continuidade ao estudo, os mesmos autores analisaram as mesmas variáveis nestas mesmas crianças 12 a 18 meses após serem submetidas a cirurgia craniofacial, comparando-as novamente com um grupo controle22. Apenas uma variável, a ansiedade, apresentou melhora evidente. Tendências para uma mudança positiva foram ob­servadas em relação a inibição e ao comportamento hiperativo. Não houve mudança em relação ao com­portamento social e outras variáveis.
Em relação à síndrome de Crouzon, Cohn et al.23 estudaram os aspectos de ajustamento social em 2 pacientes portadores da síndrome e não operados, com inteligência normal. Observaram que a síndro­me teve implicações negativas para ambos, princi­palmente do ponto de vista vocacional e de relações interpessoais.
No presente estudo o questionário de recursos e estresse evidenciou predomínio do fator 2 - pessimis­mo - entre as famílias e se correlacionou de maneira inversa com o quociente de inteligência dos pacien­tes na análise do fator 4. O fator 4 que reúne itens relativos a incapacidade dos pacientes apresentou valores maiores nos pacientes com menores QIs.
Podemos concluir que a qualidade de vida dos pacientes com síndrome de Crouzon se correlacionou com o desenvolvimento neuropsicológico destes pa­cientes (correlação entre o quociente de inteligência e os resultados do questionário de recursos e estresse - QRES-4).
Fatores habitualmente relacionados ao desenvol­vimento neuropsicológico como a cirurgia precoce e aspectos morfológicos encefálicos não apresentaram correlação significativa com o quociente de inteligên­cia destes pacientes.



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: 

http://www.scielo.br/pdf/anp/v65n2b/20.pdf


 POSTADO POR: THAISA CHRISTINA DUTRA PEREIRA


Nenhum comentário:

Postar um comentário