A síndrome de Kearns-Sayre foi descrita em 1958 por ambos autores como relato de caso de dois pacientes portadores dessa disfunção, porém só em 1965 teve reconhecimento como uma nova síndrome. Na maioria das vezes é sugestiva, manifestando sintomas de fraqueza muscular de membros superiores e inferiores, fadiga, ptose palpebral e baixa da acuidade visual. Na avaliação oftalmológica dos pacientes observa-se oftalmoplegia externa progressiva com notada diminuição das versões, ptose palpebral moderada a acentuada, degeneração da retina e epitélio pigmentar. Baixa estatura, sinais de disfunção cerebelar como ataxia, bloqueio de condução cardíaco sintomático, diabete mellitus, surdez, entre outras manifestações multissistêmicas também são encontradas. Alterações no DNA mitocondrial (mtDNA) são implicadas como fatores causais da síndrome. A mitocôndria possui seu próprio DNA, e o defeito mais comum observado é uma ampla deleção entre 1,3 a 8 kilobases do braço do mtDNA. Diferentes anomalias na cadeia têm sido observadas, porém são consideradas expressões clínicas incompletas de Kearns-Sayre. Essa deleção colabora para o mau funcionamento da função mitocondrial, o que leva a manifestações clínicas de fadiga muscular e oftalmoplegia. Os sinais iniciam-se geralmente antes dos 20 anos, com sintomas oftalmológicos, neuromusculares e cardiológicos evidenciáveis. A investigação etiológica é imprescindível já que muitos pacientes desenvolvem bloqueio de condução cardíaco súbito, assim como demência e distúrbios de equilíbrio. A síndrome de Kearns-Sayre é uma doença extremamente rara, com prevalência desconhecida na literatura internacional, e escassos casos publicados no Brasil. Acredita-se que variações patológicas no mtDNA aconteçam em 1 a cada 8.000 indivíduos, nem todas traduzindo-se clinicamente. As mutações no mtDNA são geralmente herdadas pela linhagem materna, entretanto mutações espontâneas podem acontecer. O tipo de repercussão clínica vai depender da quantidade de mtDNA anormal, situação conhecida como heteroplasmia. A mitocôndria desempenha papel principal no metabolismo aeróbico através da fosforilação oxidativa. Este processo é conduzido pela cadeia respiratória mitocondrial com a interação de complexos enzimáticos situados na porção interna da membrana da mitocôndria. O resultado desta seqüência de eventos é a geração de adenosina trifosfato (ATP). A ATP é uma molécula que fornece energia a todo processo celular ativo. A diminuição da sua produção, e a tentativa de gerar energia através de mecanismos anaeróbios são algumas das características comuns às patologias mitocondriais, que por fim acumulam lactase e N-aspartato. Doenças mitocondriais afetam tecidos que dependem substancialmente do processo de fosforilação oxidativa. Órgãos que necessitam de grande quantidade de energia, como o tecido muscular e nervoso, células retinianas e cocleares responsáveis pela audição, são mais comumente acometidas. O caminho que promove dano nas células retinianas não está esclarecido, apenas existe a constatação de que células humanas respondem de diferentes maneiras à mudança do seu DNA nuclear. A alteração comum à doença de Kearns-Sayre é a retinopatia em sal e pimenta periférica, com atrofia do epitélio pigmentar no polo posterior. Os critérios de diagnóstico da síndrome são a tríade de oftalmoplegia progressiva, degeneração pigmentar retiniana e bloqueio de condução cardíaco. A biópsia de tecido muscular com coloração de Gomori constata mudanças morfológicas características nas fibras estriadas também chamadas de "ragged-red cells" (fibras vermelhas rasgadas. A constatação de uma larga deleção no MTDNA obtida por estudo genético com cadeia de polimerase (PCR), também permite estabelecer o diagnóstico nestes casos evitando-se biópsia. É importante salientar a necessidade da avaliação precoce como também conhecer diagnósticos diferenciais. Algumas patologias que apresentam quadro associado à retinose pigmentar são as síndromes de Usher, Laurence-Moon, Bardet-Biedl, doença de Batten, doença de Refsum e síndrome de Sênior-Loken. Miopatias inflamatórias muitas vezes confundem os quadros associados à disfunção mitocondrial e distonias neuromusculares. Outras doenças mitocondriais também cursam com disfunção muscular progressiva como a NARP (Neuropatia, ataxia, retinose pigmentar) e a ARCO (Cardiomiopatia autossômica recessiva e oftalmoplegia). Miopatias associadas à disfunção muscular ocular e periocular como a oftalmoplegia externa crônica progressiva, distrofia miotônica e miastenia grave encontram-se entre os diagnósticos diferenciais. Não há tratamento efetivo para controle da disfunção muscular e da retinopatia. Um estudo randomizado, prospectivo, duplo-cego com 15 pacientes portadores de síndrome de Kearns-Sayre e oftalmoplegia externa crônica progressiva utilizou o monoidrato de creatina oral. Uma dosagem de 150 MG/kg versus placebo não demonstrou melhora nos sintomas clínicos musculares na série. Também a coenzima não apresentou resultados satisfatórios na disfunção muscular em um pequeno grupo de pacientes com a síndrome. Estudos demonstram que aproximadamente 57% dos pacientes com a síndrome apresentam sinais clínicos de disfunção cardíaca. A avaliação cardiológica é de fundamental importância devido ao risco associado de bloqueio de condução e morte súbita. Nos dois casos apresentados as manifestações comuns encontradas foram a oftalmoplegia, ptose palpebral e a retinopatia pigmentar. O segundo caso não apresentou disfunções neurológicas graves ou sintomatologia cardíaca acentuada apesar de demonstrar importantes alterações eletrocardiográficas. Demonstraram-se, portanto dois casos da mesma síndrome manifestando-se em fenótipos, idade e estágios diferentes. O avanço nas técnicas sobre os mecanismos de alteração do MTDNA e das formas de transmissão hoje são as grandes esperanças para o manejo da doença e também para o aconselhamento genético. O entendimento das características desta síndrome torna-se essencial para a investigação apropriada e manejo de suspeitos.
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